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Matéria do jornal
A Verdade, que circula em Maputo
Juntos somos poucos para o trabalho que temos a fazer</b>
Escrito por Inocêncio Albino
Quarta, 25 Abril 2012 17:16
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Nada nos garante que, no futuro, a nossa iniciativa (não) será considerada uma corrente de literatura, da mesma forma que não há garantia de que se a mesma for consolida não se denominará Movimento das Cartoneras, na América Latina, e/ou Editoras de Livro de Cartão, em África. O facto é que, nos nossos países, com dificuldades quase semelhantes, as Cartoneras impõem-se como um puro exercício de cidadania. O livro não é a capa é o miolo...
Foi quase impossível visitar a III Feira do Livro de Maputo, recentemente, realizada na capital e sair sem adquirir um livro. É saudável comprar livros. Mas ler é muito melhor. É, como se diz na Bíblia, “o conhecimento da verdade é a condição primordial para o alcance da liberdade”. E nós, como quaisquer outros cidadãos, comprámos alguns livros.
Na verdade, a maior parte dos mesmos é constituída pelos produzidos artesanalmente com base em material reciclado, o papelão. São acessíveis. Em relação aos de carácter científico-académico, apenas um: “Organizações – Estrutura, Processos e Resultados” é o título. No entanto, apesar da suposta promoção, os livros continuam caros e, por conseguinte, inacessíveis a muitos estudantes.
O título de que falámos foi adquirido por 750 meticais, com um desconto de 10 porcento. Mas há outros cujos preços chegam a beirar o salário mínimo da maior parte dos moçambicanos. Por isso, assustadores.
De uma ou de outra forma, quando nos referimos à emergência de uma nova corrente literária, nos tempos actuais, que irá imortalizar a nossa geração com um feito de louvar – o exercício da cidadania – pode-se dar o caso de, presentemente, não haver argumentos suficientes para a sua fundamentação, sob o ponto de vista temático.
Talvez seria uma espécie de corrente das correntes. Multitemática.Ou, simplesmente, Movimento Literário das Cartoneras ou do Livro de Cartão, conforme o acima referido. O referido movimento não congrega apenas escritores. Envolve artistas plásticos, cidadãos comuns, na produção do conhecimento.
É que, além de multiplicar o saber já existente e, difundi-lo por toda a terra habitada – sem tencionar ser exagerado na expressão –, a acção das editoras cartoneras ajuda a melhorar a condição social dos segmentos sociais desfavorecidos; promove o acesso a todo o tipo de conhecimento a baixo custo; cria condições para que novos escritores que, provavelmente, nas editoras convencionais não teriam a possibilidade de publicar os seus livros, o façam.
Mais importante ainda, promovem a interacção social, o debate dos problemas que apoquentam o Homem contemporâneo. Isso é cidadania.
É por essa razão que, na Feira do Livro de Maputo, os referidos livros se mostraram ser uma das maiores atracções.
Crescer constantemente
@Verdade conversou com José dos Remédios, coordenador das oficinas de criação e produção de livro de cartão ao nível da Faculdade de Letras e Ciências Sociais da Universidade Eduardo Mondlane (FLCS/UEM) e Paulo Gwambe da Kutsemba Cartão e mentor do Projecto Ler é Nice.
Mas antes vale a apensa referir que em Maputo existem três editoras de livro de cartão, a Kutsemba Cartão, a FLCS que deriva da primeira e a Aldeia da Literatura com sede no bairro suburbano de Laulane.
A Kutsemba Cartão foi criada no ano 2010 sob a direcção de Luís Madureira, com a finalidade de promover a literatura a baixo custo em Moçambique.
Desde então, os dirigentes da Kutsema não somente se preocuparam em garantir a sua consolidação como também em expandir a ideia de promover a literatura para novos pontos da cidade de Maputo.
Nesse contexto, um dos locais alcançados com êxito foi a Faculdade de Letras e Ciências Sociais, por meio da realização de oficinas de criação em que pessoas ligadas àquela organização explicaram aos estudantes os mecanismos e vantagens da produção de manuais em moldes artesanais.
Numa fase posterior à partida de Luís Madureira para os Estados Unidos da América, onde trabalha como docente universitário, os estudantes pensaram na melhor forma de capitalizar os ensinamentos de que beneficiaram para repercutir a iniciativa ao nível da universidade.
Foram, assim, criadas as bases para o nascimento da FLCS, como mais uma editora de livro de cartão em Maputo. Em menos de um ano da sua existência, a editora já publicou três títulos: “Diversidades no Beco da Palavras”, “Babalaze – a outra imagem da verdade” e “Pampa – a luta e o saber”.
De acordo com o debate a que assistimos ao qual se associaram organizações do género de outros países como, por exemplo, a Editora Dulcineia Catadora (do Brasil) e a Meninas Cartoneras (da Espanha), os mentores já pensam em trabalhar em rede nos três países.
Geramos impacto
“Não somos e nem estamos preocupados em ser uma editora convencional. Como tal, não estamos registados em nenhuma instituição. Facto é que fazemos o nosso trabalho de edição e publicação de livros da mesma forma que as editoras comuns o fazem”, considera José dos Remédios que acrescenta que “é este activismo que nos interessa, sobretudo porque gera impacto na medida que nos permite alguma assunção de que somos funcionais”.
“A única diferença que existe entre nós e as chamadas editoras convencionais é que quando se refere a nós, ao substantivo editora se deve acrescentar o qualificativo cartão”. Ou seja, “somos editoras do livro de cartão”. Mais importante ainda é que como resultado do trabalho que se realiza – edição, publicação e promoção de autores novos e jovens – “granjeamos o reconhecimento da sociedade. Somos um meio alternativo para a aquisição de conhecimento e informação”.
Vontade de desenvolver
Infelizmente, nos países africanos, uma das razões que pode justificar a pobreza dos povos é o baixo nível de conhecimento. Moçambique é um dos casos.
A par disso, o nosso interlocutor considera que o número de leitores em Moçambique é muito reduzido. A situação é motivada pelo oneroso e difícil acesso ao livro, além de outros factores sociais. Mas é preciso reconhecer também que no reduzido número de leitores, os moçambicanos se debatem com o problema da acessibilidade de manuais que é, essencialmente, explicado pelo seu elevado custo.
Dos Remédios prefere interpretar o fenómeno nos seguintes termos: “No nosso país, os livros não são comerciados a preços razoáveis e, de certa forma, esta realidade inibe que as pessoas adquiram e se apropriem de manuais, sobretudo porque se sabe que é fundamental ter livros em casa, da mesma forma que é importante que a sociedade tenha e não deve prescindir dos serviços bibliotecários”.
Se as bibliotecas funcionam com base em horários fixos e restritos, os seus serviços tornam-se insuficientes para quem quer realizar trabalhos que se apoiam na consulta de livros. É neste contextos que o livro de cartão aparece como alternativa para superar os entraves que se instalam diante do leitor. Afinal, com base nesta iniciativa os livros são vendidos a preços acessíveis. Por exemplo, na Feira do Livro de Maputo, os preços de livros de cartão variaram entre 50 e 100 meticais.
Alargar o espaço de acção
Por todas as razões que mencionámos, os activistas das editoras cartoneras reiteram a necessidade de se alargar mais o seu espaço de acção, de maneira que mais organizações do género possam surgir possibilitando o acesso ao livro – a preços acessíveis – e à prática da leitura por parte de mais cidadãos.
Está-se diante de um caso para comungar da opinião segundo a qual “sentimos que todos somos poucos para fazer trabalhos bons. E nós, a Kutsemba Cartão, a FLCS e a Aldeia da Literatura, estamos em número muito reduzido”, como considera o Director do Centro de Artes Dramáticas, Paulo Gwambe que acrescenta que “concluímos que estamos num bom caminho.
Mas é necessário que tenhamos mais iniciativas do género para que se possa popularizar o livro de cartão. Ele revela-se uma alternativa segura e sustentável para promover o acesso ao livro”.
Livros ao encontro de leitores
Uma outra iniciativa impactante na sociedade é a protagonizada pela Acção Integrada para o Desenvolvimento – AIDGLOBAL. Na província de Gaza, esta organização fomenta a leitura de diversas formas, uma das quais, facilitando o acesso ao livro.
A referida organização participou na Feira do Livro de Maputo com um stand móvel – na verdade uma carrinha cheia de livros – em que os leitores podiam trocar exemplares. Para o efeito, bastava que trouxessem um livro qualquer.
Acredita-se que a iniciativa, bem divulgada e promovida, pode reverter em resultados positivos. Pretende-se que a carroça contendo livros circule em zonas residenciais para que, trocando os manuais, os cidadãos beneficiem de outros títulos e géneros literários que, com o seu dinheiro, provavelmente não comprariam.
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